Renegociar um empréstimo significa alterar as condições iniciais do contrato celebrado entre o banco e o cliente. As alterações aos termos iniciais do contrato, que tenham o acordo de ambas as partes, consistem numa renegociação do crédito.
Esta renegociação ou alteração das condições do empréstimo pode ser feita, entre outros, através de:
– Alargamento do prazo do empréstimo, o que permitirá baixar o valor mensal da prestação, implicando, contudo, o pagamento de juros durante mais tempo;
– Alteração do regime de taxa de juro aplicável, mudando para taxa fixa ou variável, consoante o caso, ou alterando a periodicidade com que a prestação é revista em função do Indexante (geralmente 3, 6 ou 12 meses);
– Negociação de um período de carência que pode consistir apenas no pagamento de juros durante um determinado período de tempo; na suspensão do pagamento de juros e capital durante um determinado período de tempo ou no pagamento de uma percentagem do empréstimo apenas no final do prazo.
Quais as implicações de uma renegociação para o cliente?
Quando são acordadas alterações às condições iniciais de um contrato de crédito, os bancos são obrigados a comunicá-las ao Banco de Portugal, nomeadamente através da Central de Responsabilidades de Crédito (CRC).
A CRC[1] foi criada pelo Banco de Portugal com o objetivo de, entre outros, auxiliar as Instituições na avaliação do risco da concessão de um crédito. Para tal, os bancos reportam informação sobre as responsabilidades de cada um dos seus devedores, podendo cada devedor consultar a informação que lhe respeita.
Por seu turno, as outras entidades financeiras poderão consultar informação sobre uma determinada pessoa que não seja ainda sua cliente, mas que lhe tenha solicitado a apresentação de uma proposta de crédito. Através da consulta à CRC, poder-se-á, assim, saber qual o tipo de crédito já concedido a um determinado cliente (v.g., crédito à habitação), qual o valor em dívida, se o contrato em causa já foi renegociado, e se tal renegociação correspondeu a uma “renegociação por incumprimento” ou a uma “renegociação regular”.
Estas duas categorias, assim como os respetivos campos de reporte, foram definidos pelo Banco de Portugal, que é quem gere a informação contida nesta Base de Dados, entendendo o supervisor que:
- As renegociações devem ser reportadas como “Renegociação por incumprimento” quando as condições contratuais da operação de crédito foram alteradas em resultado do incumprimento com o plano de pagamentos acordado com a entidade devedora.
- As renegociações devem ser reportadas como “Renegociação regular” quando as condições contratuais da operação de crédito foram alteradas por outro motivo que não tenha sido o incumprimento com o plano de pagamentos.
Quer isto dizer que qualquer renegociação, que não tenha sido motivada por incumprimento dos pagamentos, deve ser considerada como “regular”, independentemente de estar associada, ou não, a situações de dificuldade financeira do devedor. Por exemplo, a melhoria de um spread por questões comerciais ou a concessão de uma moratória são, nos termos da atual categorização definida pelo Banco de Portugal, qualificadas na CRC da mesma forma.
Ora, considerando que, na categoria de “renegociação regular” estão – ou poderão estar – situações em que um banco aceitou renegociar o crédito com o cliente porque este não estava já em condições financeiras para o fazer nos termos anteriormente acordados entre ambos, os créditos, como tal ali sinalizados, podem constituir um alerta de eventual maior risco daquele cliente para o sistema financeiro.
Ou seja, uma “renegociação regular” não pode deixar de ser vista com prudência pelos demais bancos, podendo o cliente vir a ter maior dificuldade na renegociação de um crédito ou na contratação de um novo, junto de outra instituição.
E quais as consequências para o banco?
Este tema da prudência permite também perceber melhor quais as consequências das renegociações para os bancos que concedem o crédito.
Vejamos, então.
Os bancos, como é sabido, exercem uma importante função de intermediação financeira, transformando “passivos” (v.g, entre outros, os depósitos que os seus clientes neles fazem) em crédito concedido a terceiros (i.e., em “ativos”). Para assegurar que tal atividade de transformação não comporta riscos excessivos, desde logo, para quem confia o seu dinheiro aos bancos, estes últimos são obrigados, não só a cumprir, como as demais empresas, com regras de contabilidade (por exemplo, constituindo imparidades nos casos em que já se verificaram perdas ou é expectável que venham a ocorrer no futuro[2]), como também a cumprir regras prudenciais (i.e., a manter fundos próprios que garantam a sua solidez financeira).
De acordo com estas últimas regras – hoje harmonizadas a nível europeu – se o risco do cliente de um banco aumentar porque este evidencia dificuldades financeiras, tal aspeto vai ter que ser avaliado pelo banco, classificando o risco do crédito em função da maior ou menor probabilidade de aquele vir a ser reembolsado.
Ou seja, do ponto de vista de uma gestão adequada do risco de crédito, qualquer pedido de renegociação implica que as instituições tenham que efetuar análises casuísticas para aferir a possível alteração do perfil de risco do cliente resultante de dificuldades financeiras.
Em função das alterações ao perfil de risco do cliente que venham a ser detetadas, os bancos são obrigados a classificar esses créditos em diferentes níveis de risco, consoante os maiores ou menores indícios de incumprimento (Stage 2 – Contratos cujo risco de crédito aumentou significativamente desde o reconhecimento inicial e Stage 3 – Contratos com sinais objetivos de imparidade, isto é, com elevada probabilidade de incumprimento parcial ou total).
Esta “marcação” do crédito[3] poderá obrigar, em algumas situações, nomeadamente aquelas que apresentem maior risco de incumprimento, a que o banco tenha que constituir provisões específicas para aquele empréstimo, de modo a cobrir eventuais perdas.
Voltando às consequências para o cliente, a “marcação” do crédito para efeitos prudenciais e contabilísticos, na esfera do banco, tem também impactos do ponto de vista do cliente, na medida em que o crédito irá ficar sinalizado, junto do banco credor, como tendo maior risco, podendo o devedor ter dificuldades acrescidas ou condições mais gravosas na contratação de novos créditos (cartão de crédito, crédito à habitação, entre outros) junto daquela instituição.
Em síntese:
- Quando há uma alteração das condições iniciais de um contrato de crédito, os bancos são obrigados a reportar essa informação à Central de Responsabilidades de Crédito.
- Com efeito, quando essa alteração é motivada por falta de pagamento do crédito, os bancos reportam essa informação à CRC como “renegociação por incumprimento”.
- Quando ainda não se verificou incumprimento do crédito, os bancos reportam essa alteração como “renegociação regular”, independentemente de ter sido motivada, ou não, por dificuldades financeiras.
- Um cliente que tenha uma “renegociação regular” na Central de Responsabilidades de Crédito, que poderá estar associada a dificuldades financeiras, poderá assim ter maior dificuldade na renegociação de um crédito ou na contratação de um novo, junto de outra instituição, na medida em que o banco poderá tomar esta informação como um “alerta” na análise de risco daquele cliente.
- Quando fazem uma renegociação com o seu cliente, motivada por dificuldade financeira do cliente, os bancos são obrigados, para fins prudenciais, a avaliar eventuais alterações à qualidade desses créditos e a “marcá-los” internamente consoante a maior ou menor probabilidade de risco de incumprimento. Nas situações em que se verifiquem indícios de incumprimento, os bancos são mesmo obrigados a provisionar estes créditos de modo a cobrir eventuais perdas.
- Se é melhor restruturar do que entrar em incumprimento, quer para o cliente, quer para o banco; também é verdade que reestruturar pode ter consequências, para o cliente e para o banco, sobretudo quando essa reestruturação está associada a dificuldades financeiras.
[1] Para maior detalhe, poderá ser consultada a legislação e regulamentação sobre o assunto (Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro, e Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018).
[2] Esta matéria é disciplinada pela Norma Internacional de Relato Financeiro 9 (IFRS 9).
[3] Este procedimento de avaliação e marcação decorre de normas europeias, em particular, dos artigos 47.º-B e 178.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento (“CRR”).